segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Divulgando o fundo local XIII: Descalço sobre a geada

“Descalço sobre a geada” é um livro que conjuga prosa e poesia e foi escrito a partir da experiência de vida do seu autor, António Tavares de Carvalho.

Publicado em 2001, “Descalço sobre a geada”, foi escrito de acordo com Tavares de Carvalho “como um grito de revolta contra todos aqueles que não respeitam minimamente os consagrados direitos da criança; revolta contra a passividade e indiferença das instituições públicas e privadas perante tão graves barbaridades. Não é mais de que um grito de revolta contra todos quantos contribuem desumanamente para a destruição dos homens e mulheres de amanhã.”

Os textos contidos no livro como indica o complemento do título “A criança que não foi. A infância que nunca teve” reflectem a desilusão do seu autor fase à sua própria infância enquanto “filho não desejado”, dando ao livro um tom autobiográfico.

Escrito numa linguagem simples, o autor transporta-nos para as suas vivências de infância através de uma narrativa que lemos com prazer.

Uma história de vida semelhante a muitas outras, onde a pobreza e a agreste natureza tornavam ainda mais duras as condições de vida de muitas crianças. Um retrato de Portugal nos meados do século XX.

DESCALÇO SOBRE A GEADA

Corre miúdo, corre
Descalço sobre a geada
Levanta os pésitos sujos
Voa sobre a camada

Do gelo que já não sentes
Nos dedos enregelados
Corre miúdo, corre
Ao vento dos enjeitados

Larga o prato vai depressa
Vai fazer este recado
Regressa que tenho pressa
Desse recado aviado

Comerás quando vieres
Se ainda assim o quiseres
Aproveita essa esteada
Sem uma refeição não se morre
Corre miúdo, corre
Descalço sobre a geada

O miúdo a tiritar
Com vontade de chorar
Lá vai ele a correr
Mas treme sem saber
Se é o frio da geada
Ou o medo da pancada
Que o faz assim correr

E num instante ele regressa
Correndo a toda a pressa
Com o recado aviado
Contente nessa alvorada
Esquecendo a geada
Pois não será castigado

Pobre miúdo coitado
Só por não ser castigado
Já sentiu satisfação
Esqueceu a manhã gelada
Não se lembrou da geada
Que pisou com emoção

Hoje é homem e não esqueceu
Tudo aquilo que sofreu
Nessa infância malfadada
Tudo quanto sofria
Quando nos campos corria
Descalço sobre a geada

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