quinta-feira, 15 de março de 2012

Reflectindo sobre a formação de leitores

“A leitura é um tipo de exercício espiritual,
que prepara não para a literatura, mas para a vida.”

Luciana Dadico, Universidade de S. Paulo (Brasil)

“Aprende-se, primeiro, o processo mecânico a partir do código de escrita,
 depois a sintaxe e numa terceira fase, a forma como as inscrições nesse código servem para conhecer,
de uma forma profunda, imaginativa e prática, a nossa identidade e o mundo que nos rodeia.
Essa terceira etapa é a mais difícil, a mais perigosa e a mais poderosa”

Alberto Manguel

A formação de leitores é um processo que infelizmente não se desenvolve com frequência no contexto escolar, mas à sua margem. De facto tendo em conta a experiência de escritores e leitores quando dão o seu testemunho sobre a sua iniciação na leitura e sobre a sua paixão pela mesma, constatamos que na realidade o primeiro impulso que receberam para a sua formação como leitores adveio de pessoas próximas (família, amigos) e do contacto com os livros desde tenra idade.

Sabe-se actualmente que cada pessoa tem por natureza, uma maior ou menor inclinação para estreitar os vínculos com a linguagem e a leitura. Por isso há leitores que descobrem o gosto pela leitura “sozinhos”, sem estímulos ou condições especiais criados para o efeito. Outros há, que embora tendo tido as oportunidades e os estímulos para ser leitores não o são. Não obstante é preciso reconhecer que a estimulação ou a sua falta têm impacto substancial.

Quando falamos em Formação de leitores estamos a referir-nos a um processo muito específico, diferente do processo de alfabetização ou do desenrolar de um programa curricular relacionado com a linguagem ou a literatura. Claro que não se pretende desvalorizar a alfabetização e os programas curriculares desenvolvidos pela escola, a alfabetização é afinal o primeiro passo para chegar à palavra escrita, mas o leitor forma-se pelo desenvolvimento do prazer de ler. No entanto para gostar de ler é necessário saber ler bem e aí a escola tem um papel fundamental. Saber ler e gostar de ler são dois conceitos que andam sempre de mãos dadas.

Outro aspecto fundamental para a aquisição do gosto pela leitura é o acesso aos suportes de leitura. Ninguém gosta de ler se não tiver onde praticar a leitura e esse é outro conceito que não podemos esquecer: a prática da leitura.

Poderemos então dizer que gostar de ler é a soma de saber ler + praticar a leitura. No entanto há pessoas que sabendo ler e tendo acesso aos suportes de leitura, não gostam de ler. Nessa situação o papel dos mediadores da leitura é muito importante. É a eles que cabe o trabalho de formação de leitores.

O termo mediador deriva do latim mediatore, e significa aquele que medeia ou intervém. Quando se trata de leitura, podemos considerar que o mediador do acto de ler é o indivíduo que aproxima o leitor do texto e que facilita esta relação. Podemos considerar como mediadores de leitura os familiares, os professores, os bibliotecários, os editores, os críticos literários, os redatores, os livreiros e até os amigos que nos emprestam um livro. Os mediadores que mais se destacam são os familiares, os professores e os bibliotecários.

Aos mediadores cabe desenvolver estratégias que levem alguém a gostar de ler. A partir das premissas iniciais: saber ler e ter acesso aos suportes de leitura, o mediador transforma estas premissas em ferramentas de trabalho, criando o gosto e o prazer de ler.

Formar leitores é em simultâneo formar cidadãos com um grau de literacia que lhes permite responder às exigências de leitura da sociedade em todos os contextos.

Na maior parte das vezes vinculámos a formação de leitores à literatura, porém este processo pode também desenrolar-se a partir de textos não literários, textos informativos ou até banda desenhada. Mas, em geral, os textos literários são os ideais para o leitor iniciante, e especialmente para o desenvolvimento da leitura, por dois motivos: o primeiro está relacionado com as formas literárias, a riqueza do vocabulário e as possibilidades expressivas. O segundo motivo prende-se com a natureza lúdica-estética da literatura, se o leitor a “sentir” sentir-se-á certamente envolvido por ela.

Formar leitores recorrendo à literatura é de fulcral importância, pois permite enfatizar o valor e a riqueza da linguagem como provocadora de ideias, emoções e imagens mentais.

Os géneros mais usados para formar leitores são sem dúvida a narrativa e a poesia. Ambos satisfazem a necessidade do ser humano de se alimentar de histórias e de brincar com as palavras, os sons e as emoções. O êxito destes géneros junto às crianças prende-se sobretudo com a sua função lúdico-estética. Assim pode se concluir que a selecção de textos e o seu uso no processo de formação de leitores deve privilegiar o seu valor lúdico e estético, ou seja a sua qualidade artística e o seu poder de atracção.

Apesar de em contexto escolar se explorarem os textos literários de modo a extrair deles informação concreta (características linguísticas, valores morais, construção frásica, etc.), devemos ter em conta que os escritores escrevem para se expressar e provocar prazer literário. A função formativa e a informativa da leitura andam de mãos dadas com esse prazer. São um sub produto do mesmo. E deve ter-se cuidado em não aniquilar esse prazer ao instrumentalizar em demasia o texto literário.

Para formar leitores é necessário ter em conta, sobretudo no que às crianças diz respeito, que temos de proporcionar desafios, dificuldades, incertezas e questões de modo a testar a sua inteligência, sensibilidade, intuição e curiosidade. Não é submetendo a mesma a formulas, que conseguimos atingir o nosso objectivo: formar leitores.

Para formar leitores não devemos no entanto impor determinado género. Devemos deixar o leitor “livre” para experimentar as mais diversas formas de expressão e representação.

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