terça-feira, 2 de junho de 2009

Livro do mês: as palavras de Jean Paul Sartre

O Autor:

Jean-Paul Charles Aymard Sartre (Paris, 21 de Junho de 1905 — Paris, 15 de Abril de 1980) foi um filósofo francês, escritor e crítico, conhecido representante do existencialismo. Era um artista militante, e apoiou causas políticas de esquerda com a sua vida e a sua obra.
Repeliu as distinções e as funções oficiais e, por estes motivos, se recusou a receber o Prémio Nobel de Literatura de 1964.

A obra:

As palavras, obra publicada em 1964, é a única narrativa autobiográfica de Jean-Paul Sartre. A história cobre a sua infância dos 4 aos 11 anos e encontra-se dividida em duas partes: « Ler » e « Escrever ». Numa retrospectiva do passado Sartre explica o ambiente em que nasceu e cresceu, por vezes em tom acusatório. Relata o seu contacto com os livros desde tenra idade e dá-nos a conhecer as suas dúvidas existências, que já se manifestavam desde os seus sete anos. Além disso dá a conhecer as suas motivações para a escrita bem como as etapas que percorreu como escritor.
Excerto:

“Comecei a minha vida como hei-de acabá-la, sem dúvida: no meio dos livros. No escritório de meu avô havia-os por toda a parte; era proibido espaná-los, excepto uma vez por ano, antes do reinício das aulas em Outubro. Ainda eu não sabia ler e já reverenciava essas pedras erigidas: em pé ou inclinadas, apertadas como tijolos nas prateleiras da biblioteca ou nobremente espacejadas em áleas de menires, eu sentia que a prosperidade da nossa família dependia delas.(…)
Anne-Marie fez-me sentar à sua frente, na minha cadeirinha; inclinou-se, baixou as pálpebras, adormeceu. Daquele rosto de estátua saiu uma voz de gesso. Perdi a cabeça: quem estava a contar?, o quê?, e a quem? Minha mãe ausentara-se: nenhum sorriso, nenhum sinal de conivência, eu estava no exílio. Além disso, não reconhecia a sua linguagem. Onde arranjava ela aquela segurança? Ao cabo de um instante, compreendi: era o livro que falava. Dele saíam frases que me causavam medo; eram verdadeiras centopeias, formigavam de sílabas e letras, estiravam os ditongos, faziam vibrar as consoantes duplas: cantantes, nasais, entrecortadas de pausas e suspiros, ricas em palavras desconhecidas, encantavam-se por si próprias e por seus meandros, sem se preocuparem comigo; às vezes desapareciam antes que eu pudesse compreendê-las; outras vezes, já eu compreendera e elas continuavam a rolar nobremente para o seu fim sem me perdoarem uma vírgula. (…)
(…) Começava a descobrir-me. Eu não era quase nada, quando muito uma actividade sem conteúdo, mas não era preciso mais. Escapava à comédia: ainda não trabalhava, mas já não brincava; o mentiroso encontra a sua verdade na elaboração das suas mentiras. Nasci da escrita: antes dela, havia apenas um jogo de espelhos; desde o meu primeiro romance, soube que uma criança se introduzira no palácio dos espelhos. Escrevendo, eu existia, e se dizia eu, isso significava: eu que escrevo. (…)”

1 comentário:

  1. As Palavras, de Sartre, é um dos livros que mais me seduziram e ao qual mais vezes regressei. Aí, o estilo de Sartre é absoluta mente irresistível. Pelo que sei, a Academia Sueca invocou esse livro para lhe atribuir o Nobel que ele recusou. Pena que ele não tenha dado seguimento à sua autobiografia.
    Isaquiel Cori

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